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‘Sou mecânica de bike e montei uma oficina para atender mulheres ciclistas’

Giovanna Zanchetta em depoimento a Renata Moniz

Por Uol

Colaboração para Universa

“Ao contrário da maioria das pessoas, terminei o colégio, mas ainda não tinha me direcionando para uma profissão. Nasci em Casa Branca, uma cidade do interior de São Paulo, com 27 mil habitantes, extremamente conservadora e com pouquíssimas oportunidades. Mas posso dizer que tive o privilégio de ser de uma família que sempre me estimulou muito.

Eu tinha um primo fazendo faculdade de Serviço Social e eu queria alguma coisa social. Ele me falou do curso e sugeriu que eu me mudasse para Santos. Fechei o olho e fui. Pensei “é isso que eu quero!” Mas em nenhum momento refleti sobre trabalho na área, só pensava no estudo.

No penúltimo ano da faculdade, conheci a minha companheira atual, que se formou em educação física. A gente sempre gostou de andar de bicicleta e conversava sobre o papel que ela tinha. Além disso, minha namorada também vinha pensando que não se enxergava na profissão dela, então nós duas passamos pelo mesmo processo.

Tínhamos um problema: “o que a gente vai fazer da nossa vida?” Pensamos no próximo passo, de como lidar com o trauma de não se identificar com a graduação. Minha namorada decidiu fazer um mestrado com foco em políticas públicas para ciclistas.

Quando me formei em 2018, tentei procurar trabalho na área. Comecei a pensar nas qualificações técnicas (mestrado, especializações…) e cheguei a pensar em como enriquecer o currículo, mas as oportunidades não surgiram. Tive que pensar em alguma profissão em que pudesse aplicar um conhecimento técnico e ganhar um dinheiro que fosse meu. Conclui que fazer um curso de mecânica ia me possibilitar atuar de forma autônoma.

Giovanna Zanchetta não se encontrou na área de serviço social e atua hoje como mecânica de bikesImagem: Divulgação Youtube/Desafio Mecânico

E pensei em bike porque em Santos eu só me deslocava assim. Desde pequena, cresci com a ideia de que tinha de resolver meus próprios problemas. Então a parte de ferramentas não foi uma novidade para mim. Meu encontro com a mecânica já começou com o intuito de ser uma autonomia para resolver problemas.

“Nas poucas vezes em que eu precisava levar minha bike no mecânico, eu tinha medo, uma sensação ruim de ter de ir até lá. Eu ficava deixando minha quebrar, justamente porque não queria contar com esses profissionais que tinham ali. Comecei a pensar em um empreendimento para mulheres que precisam arrumar sua bicicleta e passam por situações de violência, assédio, ou que lidam com um serviço horrível”.

“Comecei usando as ferramentas do meu avô”

Até então, eu não tinha nenhuma experiência em mecânica. Decidi fazer um curso para ver o que podia aprender disso. Depois do curso, comecei a atender as pessoas de maneira autônoma. Peguei umas ferramentas do meu avô e foi com elas que comecei. Comprei também uma maleta de R$ 200 pela internet e aí a coisa foi dando certo. Quando as pessoas descobriram que estava fazendo isso, comecei a receber mensagens de futuros clientes.

Mês passado, abri a minha oficina com a ajuda de três amigas. Cada uma deu um pouquinho de dinheiro para poder me ajudar. E vou pagá-las aos pouquinhos… Mas o importante é que meu cantinho tá lá e as pessoas estão indo (mulheres principalmente).

Quando eu penso na questão das mulheres e mecânica, meu sonho é trazer um impacto nacional nesse ramo. Uma mulher passa por tantas situações difíceis na cidade, então criar um espaço é muito importante, porque gera acolhimento, leva informação e possibilita a construção de uma rede também.

“Desde que o mundo é mundo os homens dominam absolutamente tudo. E com o mercado de bikes isso também acontece. Um dos grandes problemas é a visibilidade. Claro que essas profissionais existem, mas é muito difícil você ouvir por aí que uma mulher é mecânica de bike. Temos que virar essa chave”.

Sempre me lembro de uma situação que vivi quando trabalhei por um tempo em uma oficina. Na loja, tinha um vendedor mais experiente que me tratava como se eu fosse a empregada dele. Ele me colocava no lugar de pessoa incapaz de fazer aquelas coisas. Em um momento, chegou até a me ensinar coisas erradas sobre mecânica.

Todas as vezes em que eu penso em desistir, penso em todas as vidas que posso mudar – por hora ainda são poucas, mas ainda vão ser muitas.” Giovanna Zanchetta, 27 anos, mecânica de bicicleta, de Santos (SP).

Fonte e fotos: uol.com.br

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